quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O declínio das abelhas, artigo de Gilles Lapougea.

* Gilles Lapouge é jornalista e escritor francês. Artigo publicado em "O Estado de SP".


As abelhas estão morrendo. Esta hecatombe silenciosa dura já alguns anos e constitui um verdadeiro mistério. Os inseticidas foramapontados como culpados, mas sua culpa nunca foi provada.

Milhões e milhões de colméias pereceram na América, na Europa, em toda parte. Estudos realizados nos Estados Unidos (Filadélfia) e na França (em Montpellier) já dão o sinal de alarme. Alerta máximo. Urgência absoluta.

Alguns observarão que muitas espécies desapareceram até hoje. Por exemplo, os mamutes não existem mais, o panda está perigando, a ave Dodo do Madagáscar desapareceu, e no entanto, o mundo não parou de girar. Mas o caso das abelhas é diferente: "Se a abelha desaparecer, dizia Einstein, a espécie humana não terá mais que quatro anos de vida".

Einstein exagerava, mas havia constatado o perigo. O que ocorrerá se a abelha nos abandonar? Ela é a grande "fecundadora". É ela que transporta o pólen de uma flor (sêmen masculino) para depositá-lo sobre os órgãos femininos de outra flor. Se a abelha nos abandonar, como a terra sustentará seus frutos, suas flores, suas florestas? E como poderemos nos sentir felizes em uma paisagem em preto e branco? Certamente, este himenóptero não é o único ser vivo que garante a reprodução sexuada das flores.

Contam-se 100 mil espécies de insetos e de aves com a mesma função, mas a abelha é uma verdadeira campeã. Os outros insetos são amadores, pouco sérios, ignorantes. O próprio colibri se distrai com qualquer coisa.

A abelha, ao contrário, desde que chegou à terra (80 milhões de anos antes que os homens aqui desembarcassem), nunca perdeu um segundo de tempo. Ela trabalha de manhã à noite. Sua atividade é irrepreensível, de autêntica profissional.

Os pesquisadores franceses e alemães acabam de calcular o valor das contribuições das "polinizadoras" nas culturas mundiais. Eles chegaram à cifra de US$ 153 bilhões anuais, ou seja 10% do valor total da produção alimentar.

Em caso de pane das abelhas, todos os vegetais não seriam afetados do mesmo modo: os mais vulneráveis seriam as frutas, os legumes, as oleaginosas. O cacau, a baunilha, a abóbora, as melancias, os melões, o maracujá, a noz de pecã brasileira seriam os mais expostos. Ao que
tudo indica, o café seria menos atingido.

É preciso também calcular a devastação da flora silvestre. São as mesmas polinizadoras que garantem a sobrevivência de todas as cadeias da vida selvagem, aves, roedores, mamíferos. O fim das abelhas seria um desastre para as florestas, as pradarias, os pastos. Assim a abelha
é responsável não apenas pela nossa alimentação diária, mas também pela beleza do lugar onde vivemos.

É uma pequena e estranha função a da abelha, função que constitui um dos enigmas mais intrigantes da criação: a de um ser vivo que faz o amor com um ser vivo de outro reino e de um modo tão sutil que este ato de amor de aparência barroca e mesmo "contrário à natureza",
garante a reprodução da vida.

Deste ponto de vista, o homem, como aliás os mamíferos e todas as outras espécies, não passa de uma nulidade, de um ser desastrado. Cada um de nós sabe que é extremamente complicado fazer o amor com um leão ou mesmo com um camundongo.

Além disso, esta cópula entre espécies diferentes não produz nenhum fruto, nenhuma descendência. Quanto a fazer o amor com um eucalipto ou um pinheiro então, o homem não tem a menor capacidade. 

A abelha sabe como amar as folhas de grama e as flores. Ela
experimenta um prazer extremo: basta olhar a ronda encantada das
abelhas e o zumbido que as acompanha em um pomar ou em um campo na
primavera para compreender que ela ama seu trabalho.

A Bíblia já havia constatado que a abelha é indispensável para a sobrevivência do planeta e da espécie humana. Deus, ao ajudar os judeus a retornarem à sua terra e a entrar no "país de Canaã", os convence a tomar o caminho do deserto descrevendo os encantos deste "país de Canaã". E relata: "Canaã, é o país onde correm rios de leite e mel" (Êxodo, 3,8).

O mel seduz Moisés, que pega seu cajado e conduz seu povo para a "Terra prometida", a terra do leite e das abelhas. Os peregrinos estão felizes. Verdade seja dita, no Sinai, não estão muito bem alimentados, mas eles sabem que no fim do caminho encontrarão "rios de mel" e já
lambem os lábios.

Infelizmente, o Pai Eterno tinha outros planos. Moisés chega ao Monte Nebo, de onde contempla a "terra de Canaã". Mas está muito cansado e morre. Não entrará na terra de Canaã, no paraíso do mel. E nós? Teremos de perdê-lo?

(O Estado de SP, 22/9)

domingo, 13 de abril de 2008

O arbítrio e o legalismo.

Tentar viver paltado no legalismo, hoje, neste país, é tarefa para o Super-Homem, acho que porque, talvez, ele não exista. Aliás, existe sim, mas só na cabeça daqueles que tentam viver suas vidas dentro do truísmo, rodeado por esse mundo de "meu Deus", onde o arbítrio saiu da excessão e instarou-se como regra geral.